quinta-feira, 18 de junho de 2009

Organização de Arquivos Históricos Escolares


Museu da Escola
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Proteção do Patrimônio e Preservação da História da Educação do Paraná

Procedimentos

ORGANIZAÇÃO DE ARQUIVOS HISTÓRICOS ESCOLARES:
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA


Nadia G. Gonçalves

Professora Dra. UFPR- Setor Educação


Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir demandas e procedimentos para a organização de arquivos históricos escolares, a partir do caso e do projeto em desenvolvimento no Colégio Estadual do Paraná (CEP), em Curitiba. EX
Esta instituição escolar tem trajetória, infra-estrutura e acervo documental de certa forma atípicos, no sentido de privilegiados: ela foi oficialmente criada em 1846, sob a denominação Licêo de Coritiba, e posteriormente, passou a Instituto Paranaense (1876), Gymnasio Paranaense (1892), Colégio Paranaense (1942) e Colégio Estadual do Paraná (1943), o que implica em formatos e propósitos diversos, em consonância com projetos e políticas educacionais mais amplos, no país, mesmo anteriores à Primeira República. Além de sua atual sede ser patrimônio histórico tombado, o CEP é uma autarquia, e conta, por exemplo, com um planetário e uma piscina olímpica, além de um Museu (Guido Straube) e de um espaço que permitiu a guarda e preservação de significativo acervo documental.

A primeira Biblioteca Pública da Província (atual Biblioteca Pública do Estado do Paraná) é criada em 1857 através da Lei n.º 27, de 7 de março, instalada no Licêo.

Em 1872, o Governo Provincial adquire, para a sede do Licêo, a casa do Comendador Manoel Antonio Guimarães (Visconde de Nacar), um imóvel situado na rua Aquidaban, atual rua Emiliano Perneta.

Pela Lei n.º 456, de 12 de abril de 1876, o Licêo passa a denominar–se Instituto Paranaense, anexo ao qual é instalada a Escola Normal, atual Instituto de Educação Prof. Erasmo Pilotto.



Fonte:Acervo Museu da Escola- SUDE/SEED


No dia 22 de maio de 1880, o Instituto Paranaense é visitado pelo Imperador D. Pedro II.

Com a Reforma do Ensino em 1892, o Instituto Paranaense passa a denominar- se Gymnásio Paranaense.

Pela Lei Estadual n.º 365, em 11 de abril de 1900, o Gymnásio Paranaense é equiparado ao Gymnásio Nacional, atual Colégio Pedro II.



Fonte:Acervo Museu da Escola-SUDE/SEED


Em 1943, pelo Decreto n.º 11.232, de 6 de janeiro, o Presidente da República, muda a denominação para COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ e o Interventor Federal do Paraná, pelo Decreto n.º 1859, de 25 de março, confirma a denominação no âmbito estadual. O Ginásio Paranaense Internato passa a denominar-se Colégio Paranaense, pelo Decreto Federal n.º 12.135, de 2 de abril deste mesmo ano, desvinculando-se da tutela do Estado. É lançada a pedra fundamental do novo prédio, na praça Santos de Andrade, onde se encontra edificado o Teatro Guaíra.

Julgada insuficiente a área, em 1944 é desapropriada a Chácara da Glória, ou de "Nhá Laura", na avenida João Gualberto, iniciando-se aí a construção da atual sede.





Fonte:Acervo Museu da Escola-SUDE/SEED


Em 2006, teve início um projeto, com origem na UFPR, de organização e inventário do arquivo histórico do CEP, o que levou à busca e proposição de parcerias e apoio, tanto da comunidade escolar, da Direção Geral, da Secretaria de Educação do Estado, e da Fundação Araucária . Embora o referido projeto tenha um problema de pesquisa específico, este não será tratado neste trabalho, que visa abordar os encaminhamentos e desdobramentos da iniciativa.
O trabalho está organizado da seguinte forma: são brevemente discutidas as principais referências teórico-metodológicas utilizadas; em seguida, os procedimentos desenvolvidos no acervo documental são apresentados; e as demandas e os desdobramentos dessa iniciativa na instituição são problematizados.
Parte-se do pressuposto de que já está consolidado, no campo da História da Educação no Brasil, o debate acerca da importância dos arquivos históricos escolares, da situação de precariedade em que estes são comumente encontrados (quando encontrados), e em decorrência, já são reconhecidos e vários os esforços para o desenvolvimento de projetos de conservação, levantamento e inventário de fontes, acervos e arquivos históricos escolares. Nesse sentido, esse trabalho visa contribuir para a discussão sobre a implantação, as demandas, os procedimentos e alguns dilemas e desdobramentos decorrentes desse tipo de iniciativa, em especial o caso do Colégio Estadual do Paraná - CEP.

Referenciais

A partir da década de 1990, no Brasil, o debate acerca dos arquivos históricos escolares se fortaleceu, em parte associado a questões colocadas pela História Cultural. Thais N. L. Fonseca defende que
[...] a história da educação, como especialização da história, ou, dito de forma mais consistente, como campo temático de investigação, não tem fronteiras a definir com a história cultural. Antes, utiliza seus procedimentos metodológicos, conceitos e referenciais teóricos, bem como muitos objetos de investigação (2003, p.59).

Nesta perspectiva, a História Cultural, como “uma história dos objetos na sua materialidade, uma história das práticas nas suas diferenças e uma história das configurações, dos dispositivos nas suas variações” (Chartier, 1988, p.45) é bastante sugestiva em possibilidades para o estudo de questões referentes à cultura escolar, à história das instituições e de fontes que permitam sua percepção e estudo, e contribuiu para levar pesquisadores aos arquivos escolares, em busca de registros documentais que lhes permitissem compreender e responder a tais problemáticas.
Segundo Heloisa Bellotto, os documentos de arquivo são aqueles

[...] produzidos e/ou acumulados pelas entidades públicas e privadas, ou por uma família, ou pessoa física, no decurso do cumprimento de suas atividades ou funções. Surgem por razões funcionais, administrativas e legais. Tratam, sobretudo, de dispor ou determinar sobre alguma coisa ou provar algum ato. (1994, p.13)

Dessa forma, estão incluídos todos os tipos de documentos produzidos ou guardados pela instituição, no caso, sob a denominação legal de arquivo escolar . No caso deste trabalho, utiliza-se as denominações próprias da arquivística, relativas a arquivo corrente (acessado cotidianamente), arquivo intermediário (acessado eventualmente) e arquivo permanente (não mais necessário cotidianamente), este último poderia ser sinônimo de arquivo histórico escolar, neste projeto.
A escola produz em seu cotidiano, diversos tipos de documentos e registros, exigidos pela administração, que perpassam inclusive seu âmbito pedagógico. Há toda uma legislação que orienta essa produção, como exigência para a legalidade das ações da instituição, envolvendo seu funcionamento, a organização e controle de suas atividades. Além disso, pode-se encontrar no arquivo escolar outros tipos de documentos que excedem a determinação legal, como fotografias, jornais produzidos pela escola, cadernos de alunos, recortes de jornais externos, e bilhetes.
Estes documentos comprobatórios do cotidiano da instituição escolar constituem registros que foram produzidos “por instituições ou indivíduos singulares, tendo em vista não uma utilização ulterior, e sim, na maioria das vezes, um objetivo imediato, espontâneo ou não, sem a consciência da historicidade, do caráter de ´fonte´ que poderia[m] vir a assumir mais tarde.” (Rousso, 1996, p.87). Ainda, de acordo com Jacques Le Goff:

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento [...] que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. (2003, p.537-538)

Tendo sido produzidos com maior ou menor consciência ou intencionalidade, tais documentos registram e constituem a cultura material escolar, específica daquela instituição, e que “modela e é modelada pela cultura social” (Menezes, 2005, p.4). Ou seja, são testemunhos da vida institucional, da sua cultura e memória, com as particularidades da escola que os produziu.
Porém, pode-se ir mais além, no uso do arquivo escolar e na busca da compreensão da existência histórica de uma instituição: de acordo com Justino Magalhães, além de considerá-la em função da “realidade mais ampla que é o sistema educativo, contextualizá-la, implicando-a no quadro de evolução de uma comunidade e de uma região, [...] sistematizar e (re)escrever-lhe o itinerário de vida na sua multidimensionalidade, conferindo[lhe] um sentido histórico” (1999, p.64). Para tanto, são necessárias fontes históricas.
Dentre autores que têm se preocupado com a discussão sobre arquivos escolares e sua conservação, organização, e mesmo suas possibilidades enquanto fontes para estudos da História da Educação, Dario Ragazzini afirma:

[...] é de grande importância o desenvolvimento de uma consciência e de uma prática documentária de individualização, catalogação e conservação dos documentos. As novas identidades da História da Educação foram muito discutidas, assim como as possibilidades de uma aproximação inovadora com a história da escola, contudo, enquanto permanecemos sem uma prática de documentação adequada, permaneceremos no âmbito das discussões acadêmicas ou do pioneirismo. Uma historiografia mais sofisticada requer uma inovação no uso das fontes e isto não será possível sem uma nova prática de pesquisa, uma nova prática arquivista e uma nova sensibilidade documentária. (2001, p.26)

Por sua vez, Diana G. Vidal, com base nas observações de Pierre Nora (1993), destaca os arquivos como lugares de memória, lugares duplos enquanto locais de guarda de seus acervos, mas ao mesmo tempo, “constantemente abertos a novas leituras acerca do passado e o presente” (2005, p.19). Lugares que necessitam de tratamento adequado, com organização e descarte entendidos como procedimentos complementares, situados dentro de um processo técnico, no campo da arquivística, que exige, dessa forma, o diálogo entre historiadores e arquivistas. Tratando-se da especificidade dos documentos e arquivos escolares, o esforço deve ir no sentido de transformar o arquivo “morto” em arquivo histórico, ou seja, organizado, inventariado, e funcionalmente integrado ao arquivo corrente, discutindo-se e criando-se, no âmbito da instituição educacional, critérios para conservação e descarte, planos de destinação da documentação, elaborados “para além da lógica administrativa” (Vidal, 2005, p.22), de forma a abranger outros âmbitos que ultrapassem a secretaria da escola e a norma legal:

[...] integrado à vida da escola, o arquivo pode fornecer-lhe elementos para a reflexão sobre o passado da instituição, das pessoas que a freqüentaram ou freqüentam, das práticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabeleceu e estabelece com seu entorno (a cidade e a região na qual se insere. (Vidal, 2005, p.24).

No caso específico do CEP, por meio de seu Museu, a cultura material escolar também pode ser agregada mais diretamente na discussão e nos propósitos acima apresentados.

O arquivo histórico escolar do CEP: procedimentos para sua organização e resultados iniciais

Considerando que transformar o arquivo morto em arquivo histórico implica em organizá-lo, os procedimentos adotados foram, em especial, os sugeridos por Vidal e Zaia (2001) e Zaia (2004) .
Até o momento, foram realizadas as seguintes etapas: diagnóstico da documentação; registro fotográfico do local antes, durante e depois do trabalho de organização; levantamento e agrupamento do material; higienização; de acordo com critérios de avaliação e descarte, documentos permanentes são conservados e organizados; escolha do local para guarda da documentação; acondicionamento da documentação; organização e notação dos documentos, na seguinte ordem: 1) Fundo; 2) Série; 3) Subsérie; 4) Número do documento dentro da série ou subsérie; 5) Número de páginas que o documento contém.
Os documentos foram organizados cronologicamente de acordo com os períodos históricos do CEP: 1846 (criação) a 1876 – Licêo de Coritiba; 1876 a 1892 – Instituto Paranaense; 1892 a 1942 – Gymnásio Paranaense; 1942 a 1943 – Colégio Paranaense – Externato; 1943 a 1980 – Colégio Estadual do Paraná. O ano de 1980 foi estabelecido como recorte temporal inicial, devido à grande quantidade de documentos a serem organizados, à medida que o acervo documental deste período for inventariado, os anos seguintes serão contemplados e integrados ao acervo histórico.
As séries, que correspondem às unidades internas de origem dos documentos, podem variar conforme o período, devido à organização administrativa da instituição. Foram identificadas as seguintes séries: APM – Associação de Pais e Mestres; B – Biblioteca; CP – Coordenação Pedagógica; D – Direção Geral; DF – Departamento Financeiro; OE – Orientação Educacional; RH – Recursos Humanos; e SA – Secretaria Acadêmica.
Por sua vez, as sub-séries correspondem aos tipos de documento. Foram identificadas mais de oitenta sub-séries, como atas de concursos, exames, material didático e ofícios.
Foi construído um banco de dados no qual todos os documentos já organizados estão inseridos, com as informações de notação acima mencionadas, acrescidas de palavras-chave, período de abrangência ou data, tipo do suporte e estado de conservação – esta fase está concluída, sendo agora atualizada à medida que outros documentos são incorporados ao acervo. Encontra-se em andamento a descrição pormenorizada de cada documento, que contempla, por exemplo, temas debatidos nas reuniões registradas em um livro de atas.
Um exemplo da ficha preenchida para cada documento encontra-se na Figura 1.
Esta ficha permite diferentes possibilidades de busca por parte dos pesquisadores, uma vez que cada campo pode servir de orientador da busca, podendo-se optar ainda por campos combinados. O programa, simultaneamente ao preenchimento das fichas, gera automaticamente uma lista de palavras-chave cadastradas.

Figura 1 – Modelo de ficha do banco de dados – acervo histórico escolar do CEP


Para o desenvolvimento de todos estes procedimentos, ressalta-se a preciosa colaboração de bolsistas e voluntários de Iniciação Científica - André S. Carvalho (UFPR), Bruna E. C. Oliveira (CNPq), Emanuelle G. R. Cordeiro (CNPq), Heloísa U. Silva (CNPq), Jozilei M. Souza (CNPq); da funcionária administrativa do CEP, Mariana R. Zacharias; dos bolsistas de Iniciação Científica Júnior da Fundação Araucária - Amanda L. Freitas, Guilherme B. Martins e Maria Eduarda W. Oliveira; e das estagiárias do CEP - Ana C. Melo e Roberta D. F. Lincoln – no desenvolvimento direto do trabalho. Esses colaboradores, antes de manusearem a documentação, foram orientados quanto à higienização e preservação documental, bem como sobre cuidados de proteção necessários, seja por meio de bibliografia, seja com um treinamento básico realizado no Arquivo Público do Estado do Paraná.
Essa questão, dos recursos humanos para a organização do acervo documental, certamente é um desafio a ser enfrentado, em especial na parte inicial das atividades, em que há uma grande quantidade de documentos que precisam ser avaliados, higienizados, organizados e acondicionados. Estes procedimentos, embora requeiram orientação técnica, não são muito complexos, mas são muito braçais, lentos, sendo que os progressos demoram algum tempo para poderem ser observados. No caso deste projeto, sem a contribuição dos colaboradores acima mencionados, o trabalho ainda estaria por ser feito, uma vez que há a dificuldade de conseguir alocar para este tipo de atividade, funcionários administrativos da instituição escolar, em geral sempre em defasagem frente às necessidades administrativas e pedagógicas.
Também, em relação aos recursos materiais, alguns desafios precisaram ser enfrentados. Inicialmente, a questão do espaço para a higienização e organização dos documentos, uma vez que a sala onde estavam depositados, além de abarrotada, tinha muita poeira acumulada, não fazendo sentido higienizar documentos e guardá-los em armários de madeira, nem junto ou próximo de outros ainda a serem limpos. Neste projeto, a Direção Geral do CEP cedeu uma sala em outro local, para onde foram levados os documentos (o primeiro conjunto, até 1980), e que já se encontra lotada, sendo solicitada outra sala para a continuidade das atividades de higienização.
Outro desafio é a aquisição de equipamentos, do mobiliário e do material para acondicionamento dos documentos higienizados e organizados e para proteção dos envolvidos. Neste projeto, foram adquiridos alguns equipamentos, como esterilizador de ar e computador, bem como luvas, máscaras, óculos de proteção, guardapós, entre outros, com recursos complementares, parte da Fundação Araucária, parte da Secretaria da Educação, e parte, cedidos pelo CEP.
Compreende-se que se estes desafios são enfrentados cotidianamente em uma instituição privilegiada como o CEP, em outras instituições escolares eles são potencializados, em relação a espaço, recursos humanos e materiais. Neste caso, alguns desdobramentos originados deste projeto, externos ao CEP, são abordados no tópico seguinte.

Encaminhamentos, demandas e parcerias institucionais

Podem ser destacados dois níveis de encaminhamentos relativos a este projeto: administrativos e arquivísticos. Os arquivísticos foram brevemente relatados no tópico anterior, juntamente com alguns desafios relativos a recursos humanos e materiais.
No caso dos administrativos, trata-se da maneira como se deu o contato com a Direção Geral do CEP e os funcionários responsáveis pela guarda do acervo e do Museu Guido Straube. Ressalta-se que a proposta feita ao CEP foi muito bem recebida, dada a falta de funcionários para organizar o acervo e atender aos pesquisadores que demandavam por consultas aos documentos.
Já no contato inicial com a Direção Geral do CEP, propôs-se a formação de uma Comissão Gestora do projeto junto à instituição escolar, a fim de que se pudesse discutir coletivamente as questões referentes à infra-estrutura física e humana necessária para seu desenvolvimento, bem como outras questões administrativas, como avaliação e descarte de documentos e procedimentos e orientações internas aos funcionários. A Comissão foi composta por representantes da Universidade Federal do Paraná - UFPR; da Direção Geral, arquivo geral e Museu do CEP; da comunidade do CEP; e da Secretaria de Estado da Educação – SEED, e tem funcionado desde o preparo para a realização das atividades, em agosto de 2006. Recentemente, foi incorporada à Comissão uma representante do Arquivo Público do Estado do Paraná .
Ainda em 2006, o projeto tomou um porte mais amplo e institucional. Diante do acervo encontrado houve um desdobramento: guardados junto dos documentos estavam objetos diversos, uma precária reserva técnica do Museu existente na instituição, mas muitos em péssima situação de conservação, como filmes pedagógicos da década de 1950. Após discussões da Comissão o resultado foi um desdobramento do projeto: a proposição de criação do Centro de Memória do CEP em um espaço único, articulando o Museu Guido Straube (a ser reorganizado e ressignificado), a Seção de Documentação Histórica e a Seção de Proteção de Patrimônio Histórico (ambas criadas pela Comissão nesse momento). Dessa forma, embora o projeto originário da pesquisa permaneça com seu foco na organização e inventário do acervo documental, este já produziu um efeito institucional muito positivo.
Uma das conquistas a partir dessa proposição, que foi apresentada e aprovada pela Direção Geral do CEP , foi a cessão de um espaço mais amplo, para a instalação do Centro de Memória. Este espaço era a antiga casa do zelador, uma casa em que serão instalados, no térreo, o arquivo, a reserva técnica do Museu, a sala de higienização, a sala de triagem do acervo e uma sala de reuniões; e no primeiro andar, as salas de exposição do Museu – que neste espaço poderá ser aberto ao público externo –, a coordenação, sala de pesquisa e sala para pesquisa ao público externo. Esta casa deverá passar por uma ampla reforma e restauro – lembrando que também é um patrimônio tombado – no segundo semestre de 2009, e a previsão para inauguração do espaço é março de 2010. As proposições para este novo projeto estão brevemente apresentadas no site da instituição .
O Centro de Memória exigiu e tem exigido ações internas ao CEP, tanto no sentido de conseguir um espaço e condições adequadas para sua instalação, quanto no sentido de sensibilizar a comunidade escolar sobre seu sentido e relevância, a fim de obter colaboração. Por exemplo, já foi realizada reunião com todas as chefias e direções para esclarecimento sobre o projeto e orientações iniciais sobre cuidados com os documentos que geram, desde guarda à triagem e procedimentos de descarte; também alterações no regimento interno e no regimento escolar estão encaminhadas; além da previsão para que ocorra a formação de uma Comissão para avaliação da destinação dos documentos.
Outro desafio interno remete aos conhecimentos necessários para a reorganização do Museu Guido Straube, que envolve desde a realização do inventário do acervo, ao desenvolvimento do plano de gestão museal, do projeto para aquisição de equipamentos e mobiliários, entre outros. Tentou-se um contato com a Secretaria de Cultura, em busca de assessoria de um museólogo, mas não foi possível. No momento, dois encaminhamentos provisórios estão sendo realizados: a transferência de uma funcionária de outra instituição escolar, que tem graduação em História e especialização em Gestão de Patrimônio, o que envolve também noções de museologia, e a realização de um curso livre à distância, promovido pela UNESCO, intitulado “Como Gerir um Museu” .
Como encaminhamentos externos, algumas demandas têm sido postas à Secretaria da Educação do Estado do Paraná, no sentido de subsidiar e incentivar a proposição de uma política pública relativa à preservação de acervos históricos escolares. Neste sentido, destacam-se:
- a solicitação de elaboração de manuais de orientação para as escolas, relativos a documentos (cuidados, preservação, critérios e procedimentos de descarte, amostragem, tabela de temporalidade específica para a documentação gerada por uma instituição escolar), a objetos e à arquitetura escolares. Em relação a essa demanda os representantes da SEED na Comissão, estão construindo uma parceria com o Arquivo Público do Paraná;
- a solicitação de oportunidades de formação continuada, para direção e secretários das escolas, em especial, mas aberto a demais interessados, relativos ao tema e aos referidos manuais. Também promovido pelos representantes da SEED, em agosto terá início a primeira oferta do Curso “Princípios e Práticas da Gestão do Patrimônio Histórico Escolar”, que, pretende-se, deverá ser expandida para vários núcleos regionais do Paraná.
Entende-se que a iniciativa em desenvolvimento no CEP pode ser início para a sensibilização de outras instituições escolares e do Estado, para que haja condições físicas e humanas para a preservação dos acervos escolares, seja na escola de origem, ou em um projeto mais amplo, que abarque acervos de instituições que não têm condições de garantir sua preservação, bem como por meio de legislação específica, que contemple critérios claros de guarda e descarte da documentação escolar, bem como atribuindo responsabilidades sobre sua preservação. Considera-se que já são importantes os resultados alcançados em as iniciativas em andamento, internamente ao CEP, e como política pública da SEED.
Espera-se que, compartilhando e divulgando os caminhos percorridos no desenvolvimento do projeto, possam ser ilustrar possibilidades para novos projetos, problematizar e discutir as respostas até então encontradas e propostas, bem como a sua relevância para a própria instituição sede do projeto e para o campo da História da Educação.


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Museu da Escola


Arquivo “morto”?

Nadia G. Gonçalves
Professora Dra. UFPR- Setor Educação

Toda escola tem um “arquivo morto”. Essa designação já indica os cuidados e a atenção que normalmente lhe são prestados e com o sentido que lhe é dado na instituição. Relegados ao esquecimento, aqueles documentos encaixotados, empoeirados, por vezes deteriorados, são evitados ao máximo por todos.
Mesmo que a escola queira organizar e preservar melhor seu arquivo permanente – o conjunto de documentos que não são mais utilizados cotidianamente, mas que não podem ser descartados – enfrenta dificuldades quanto a espaço, infra-estrutura física e materiais adequados, recursos humanos disponíveis e com orientação mínima para lidar com o acervo.
Diante de tantos desafios enfrentados atualmente, por que abordar um tema aparentemente irrelevante para a melhoria do ensino e da realidade escolar? Pode-se elencar várias razões, mas algumas, principais, serão aqui tratadas brevemente.
No campo da História da Educação vem se desenvolvendo um esforço no sentido de preservar e organizar os arquivos permanentes (ou históricos) escolares, compreendidos como locais de memória, fundamentais para o estudo dos processos de escolarização, da cultura escolar, entre outros. A escola produz diversos tipos de documentos e registros, exigidos pela administração e pelo cotidiano burocráticos, que perpassam inclusive seu âmbito pedagógico. Além desses, pode-se encontrar no arquivo fotografias, jornais escolares, cadernos de alunos, bilhetes, etc.
Tendo sido produzidos com maior ou menor consciência ou intencionalidade, tais documentos registram e constituem a cultura material escolar, específica daquela instituição, e são testemunhos da vida institucional, da sua cultura e memória, com as particularidades da escola que os produziu. Além disso, na busca da compreensão e da explicação da existência histórica de uma instituição, pode-se estudá-la em relação ao sistema educacional, contextualizando-a ainda em relação à história da comunidade, à história local ou regional, e nacional.
Simultaneamente a esta preocupação, algumas propostas, como de inserção de documentos da própria instituição no trabalho em sala de aula (em especial, mas não somente, no ensino de História), ou ainda de projetos mais amplos, envolvendo a reconstrução da história da instituição e da comunidade escolar, podem ser desenvolvidos.
Neste sentido, o arquivo “morto” deixa de ser relegado ao esquecimento, passa a ser arquivo “histórico escolar”, e permite reflexões sobre o passado da instituição, da comunidade, das pessoas que passaram pela escola, das práticas que ali se desenvolveram, das relações estabelecidas com o entorno, permitindo e contribuindo para que o aluno e a comunidade escolar e externa à instituição percebam-se como agentes históricos, o que implica diretamente na formação para a cidadania.
Na atividade docente, a discussão passa pela formação continuada. É necessário que o corpo docente até mesmo repense sua prática, suas concepções de História, de documento, que conheça adequadamente os limites e as possibilidades da proposta, a aplicabilidade em sua realidade de trabalho e como esta poderia ser expandida para a comunidade, com os devidos cuidados, a fim de evitar-se o reducionismo e o etnocentrismo, por exemplo.
Tanto nas atividades desenvolvidas pelos professores quanto em um projeto mais amplo, a comunidade que já passou pela instituição escolar, como alunos, professores e funcionários, pode ser diretamente envolvida. Há diversas alternativas para isso, dependendo das possibilidades de infra-estrutura, disponibilidade, parcerias e interesse da comunidade escolar atual, em especial do corpo docente, para sua proposição. Poderiam ser desde atividades restritas à sala de aula, em uma única disciplina, a um projeto que envolva várias disciplinas; exposições; projeto de organização, conservação e catalogação do arquivo escolar; projeto de reconstrução da história e memória da instituição e da comunidade escolar (pode-se buscar parceria com a Universidade), e que tenha um desdobramento como extensão, por meio do convite e envolvimento da comunidade que passou pela escola na contribuição para essa história e memória, com seus objetos, documentos, registros e depoimentos, por exemplo.
Espera-se que estas breves proposições possam sensibilizar os responsáveis pela guarda dos arquivos históricos escolares para a importância de sua preservação, como patrimônio público e histórico, a que tem direito de acesso todo cidadão. Além disso, ressalta-se o arquivo histórico escolar e seus documentos como fontes para um eixo importante de trabalho na escola, qual seja, a história e memória da instituição e da comunidade escolar, contribuindo para um ensino mais significativo e potencialmente mais interessante para os alunos.


Sugestões de leitura

Pro-Posições. Campinas: Unicamp. V.16, n.1(46) jan/abril 2005. Dossiê: Cultura escolar e cultura material escolar: entre arquivos e museus. Disponível em: http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/~proposicoes/edicoes/sumario12.html. Acesso em 20/7/2009.
Revista Brasileira de História da Educação/ SBHE. Campinas: Autores Associados, N° 14 - Maio/Agosto 2007, Dossiê A cultura material na história da educação: possibilidades de pesquisa, p.11 a 115. Disponível em: www.sbhe.org.br, link Revista SBHE. Acesso em 10/6/2008.
Revista Brasileira de História da Educação/ SBHE. Campinas: Autores Associados. Nº 10 - Jul./Dez. 2005, Dossiê Arquivos Escolares: desafios à prática e à pesquisa em história da educação, p.71 a 221. Disponível em: www.sbhe.org.br, link Revista SBHE. Acesso em 10/6/2008.
link revista brasileira de História da educação

SÃO PAULO (ESTADO)."http://www.crmariocovas.sp.gov.br">CENTRO DE REFERÊNCIA MÁRIO COVAS. Núcleo de Memória da Educação Paulista. Disponível em: Acesso em 31/07/2005.
link Centro de Referência Mario Covas

_______. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Manual de trabalho em arquivos escolares. Elaboração de Teresa M. M. Baeza. São Paulo: CRE Mário Covas, IMESP, 2003. Disponível em: >http:/ www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/dhe/manual_de_trabalho_em_arquivos_ escolares.pdf< Acesso em 12/12/2005.

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